Diálogos entre pessoas desprovidas de materialismo

Muitos dos sem abrigo são doentes mentais e felizmente tenho a possibilidade de durante as viagens faculdade/casa, assistir a muitas conversas que têm. No outro dia, um deles que já havia sido internado num hospital psiquiátrico dizia que eles é que eram malucos mas que eram os únicos que realmente sentiam que pertenciam a um grupo e que o comum das pessoas no meio da agitação nem tempo para os amigos têm, aquilo assustou-me, principalmente porque sei que em muitos casos é verdade.
Noutra situação assisti a uma senhora que se estava a drogar em pleno autocarro, já a conhecia de outras viagens porque ela vai no mesmo horário que eu, ainda assim, nunca até aquele dia a tinha visto a drogar. O processo foi olhar em torno e ver se alguém a estava a ver e quando viu que eu a estava a observar olhou para baixo com um olhar de reprovação de ela própria e deixou de ter aquele comportamento. Mais uma vez foi um comportamento que me colocou a pensar acerca da dignidade humana e na fragilidade que uma pessoa que se droga tem para conseguir ter a capacidade de mudar de vida.
Posteriormente e mais recentemente, quando aguardava na paragem pelo autocarro, chegou um táxi com um senhor idoso que por algum motivo aparentemente não conseguia sair do carro sozinho. Uma das senhoras sem abrigo que aguardava comigo pela chegada do autocarro, foi a única que prontamente se dispôs a ajudá-lo. O senhor como realmente tinha dificuldade de coordenação, necessitava de mais do que uma pessoa para o segurar, tendo acabado por cair no chão molhado. Rapidamente, outros dois sem abrigo que se encontravam na zona o ajudam a levantar e a encaminhar para o seu destino. Mais ninguém excepto esses dois senhores se movimentou com aquela situação.
Esta última situação faz relembrar o acidente da menina atropelada na China e o modo como ninguém, excepto a empregada, agiu perante a situação. Curioso ter sido também alguém desprovido de bens materiais a notar na fragilidade da menina que havia sido atropelada. O coordenador da página da rede social facebook do Instituto Superior Psicologia Aplicada, referiu que já aconteceu um fenómeno semelhante quando uma mulher foi brutalmente assassinada e nenhum dos 38 espectadores tomaram uma atitude. Refere ainda que tal pode ser explicado pelo efeito espectador ou difusão de responsabilidade.
O efeito espectador refere-se à probabilidade de uma pessoa interferir numa situação de emergência diminuir à medida que aumenta o número de espectadores. Ocorre a chamada difusão de responsabilidade (outra pessoa irá ajudar)  e o indivíduo acaba também por pensar que na multidão deverá existir alguém mais qualificado que ele para prestar a ajuda necessária (alguém deve ser doutor, ou polícia). Outro factor prende-se com a inacção por parte de todos os espectadores, o que ajuda a que o efeito se perpetue - se ninguém se mostra interessado em ajudar é porque se calhar a ajuda não é necessária ou a situação não é tão urgente.
Muitos dos sem abrigo que vão comigo, tal como toda a gente têm capacidade de dar a volta por cima e ter uma vida melhor, no entanto muitos deles não têm forças e outros nem querem. O que é certo é que em cada interacção que assisto existe amizade, existe confiança e protecção. Desprovidos de materialismo são humanos, coisa que muitos de nós com estudos e conhecimentos sobre variadas temáticas temos dificuldade em ser.